terça-feira, novembro 28, 2006

1º ESTUDO DO EVANGELHO DE MARCOS

O Evangelho de Marcos – cap.14. 23-26 NVI)

(14.23) Em seguida tomou o cálice, deu graças, ofereceu-o aos discípulos, e todos beberam. (24) E lhes disse: “Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. (25) Eu lhes afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”. (26) Depois de terem cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras.

A ceia festiva da véspera da páscoa durava três horas ou mais. Não cabia pressa. Havia oportunidade para conversa, meditação, canto e oração, enquanto se comia. O evangelista Marcos, no seu relato, ignorou a parte mais extensa, o próprio jantar e menciona apenas aquilo que lhe pareceu importante para as igrejas novas: as palavras eucarísticas.

No decorrer da história houve transformações importantes na maneira de se comemorar a eucaristia. Vejamos: A própria ceia de Jesus obedeceu à tradição judaica. Ao gesto da bênção do pão seguiam as palavras que hoje chamamos “eucarísticas” sobre o pão partido. Seguia então o demorado jantar, que terminava com o gesto do vinho, novamente com a bênção proferida, conforme a tradição, onde Jesus acrescentou as “palavras eucarísticas” sobre o vinho. O encontro terminava com o canto do tradicional “Hallel”, isto é, parte dos salmos 114 a 118.
A comunhão ao comer em conjunto, ainda hoje, é essencial no oriente. Assim, também, as primeiras comunidades cristãs dos anos 30 até 40 tiveram seu “jantar ágape” entre a bênção eucarística do pão no início e o gesto do vinho com as palavras eucarísticas a respeito, ao encerrar a ceia. (veja desenho ao final).
Pela carta de Paulo aos Coríntios (cap. 11.17-34) vemos, que essa prática logo causou problemas nas comunidades, pois havia aproveitadores que vieram somente para “encher a barriga”. Quando, ao fim do jantar em comunhão, ainda vinham os escravos, cujo trabalho os obrigava a permanecer no serviço até tarde, não havia mais comida nem bebida disponível. Paulo censurou duramente essa prática e recomendou uma alteração, que tornou-se prática nas igrejas paulinas até aprox. 60 d.C. O jantar “ágape” antecedeu à celebração da “eucaristia”. Esta seria celebrada somente após a alimentação de todos. Assim, todos que participavam do partir do pão, já estavam fartos.

Na segunda parte do primeiro século, com o crescimento das comunidades onde não era mais possível dar esta atenção aos participantes, houve outra mudança. O jantar “ágape” ficou para depois da distribuição do pão e do vinho”, não tendo mais ligação direta com a celebração. Observamos essa prática nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). O próprio Marcos, cujo relato estamos estudando, não se detem mais no jantar, quando relata a “última ceia”; ele só menciona o “partir do pão” e o gesto do vinho. O mártir Justino († 165 d.C.) já não sabia mais nada do jantar “ágape” e limitou a eucaristia à “distribuição das Santas Dádivas” somente. O “jantar ágape” havia desaparecido.

Assim, tanto a missa como o culto evangélico hoje não conhecem mais o “jantar ágape”. O seu lugar foi tomado pelo “Serviço da Palavra”, do “Sermão”. Após este, tanto na missa como no culto evangélico, é celebrado o “partir do pão” ou a eucaristia.

Esse breve relato tem valor informativo somente. Ele não altera o profundo significado da “ceia” que celebramos ainda hoje. O que mudou, pertence à cultura e tradições ligadas a ela. O crescimento das comunidades logo tornou impraticável a celebração íntima com a festa “ágape” como centro. Infelizmente perdeu-se assim o aspecto comunitário e nivelador nas igrejas, onde ficava patente e visível que todos eram iguais perante Deus. Não há melhor demonstração da condição indispensável, na qual celebramos o “partir do pão” ou, seja, a eucaristia: não há nem rico nem pobre, não há escravo nem livre, nem importante nem insignificante, nem estudado nem ignorante. Na “ceia” somos todos pertencentes à mesma categoria, todos igualmente participantes da Graça Salvadora de Jesus.

(14.23) Em seguida tomou o cálice, deu graças, ofereceu-o aos discípulos, e todos beberam. O jantar presumivelmente durou várias horas, com suas longas e intensas conversas, influenciadas pelas previsões sombrias proferidas por Jesus. No decorrer do jantar, por três vezes os participantes bebiam cada um de seu cálice. Ao iniciar a ceia, Jesus havia pronunciado a bênção do dia. Após iniciar o jantar, após a tradicional formula litúrgica de seu tempo: “Há lachma anja...” (Este é o pão da aflição que nossos pais comeram no Egito. Quem tiver fome, venha e coma a páscoa...) conforme Deut. 16.3, tomou-se do cálice pela segunda vez. No fim da ceia, pela terceira vez o cálice era levantado e o anfitrião, no nosso caso Jesus, pronunciou as tradicionais palavras sobre o “cálice da bênção”. Para surpresa de todos, Jesus acrescentou a este gesto algo incomum e novo: Ele passou o seu cálice para todos, a fim de que todos dele bebessem. (24) E lhes disse: “Isto é o meu sangue da (nova) aliança, que é derramado em favor de muitos.

Os profetas Ezequiel (cap.16) e Jeremias (cap. 31) anunciaram que algum dia haveria algo Novo: “Eis que dias vêem, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá, não conforme o concerto que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar do Egito...” (Jer.31.31ss). No pior ponto da história do povo judeu, no fim do séc. 6 a.C., os profetas vislumbravam o fim temporal e qualitativo da aliança de Deus através de Moisés, quando os tirou do Egito. Na comemoração da (antiga) aliança (ou concerto) através de Moisés é que os judeus até então celebravam a páscoa.

Agora, nesse cenáculo, estava-se realizando aquilo que os profetas anunciavam e pelo qual se esperava durante longos 500 anos: no cálice que Jesus passou para os seus, a chegada da nova realidade era anunciada. A palavra “nova aliança” fala do cumprimento, conclusão, superação de todas as alianças até hoje determinadas por Deus. “Nova aliança” nada menos significa do que “realização final”.

Podemos perguntar: como o cálice passado aos de Jesus confirma participação nessa nova realidade, nessa “nova aliança” declarada por Deus? Resposta: Em todo lugar onde Jesus convida à comunhão com Ele, acontece Graça, Perdão e Reconciliação com Deus. Essa é a “Boa Nova” do Evangelho.

O sangue é usado no judaísmo e nos escritos do Antigo Testamento como sinônimo de morte violenta. “No meu sangue” quer dizer “graças a...” (lit. força). “Meu sangue da nova aliança” significa então “Nova aliança, ratificada graças a minha morte violenta”. Essa morte abre ao homem a possibilidade de comunhão livre com Deus. O sangue de Jesus, figuradamente, é a razão da Nova ordem escatológica de Salvação (lit. “do bem”).

Não há dúvida de que Jesus desde a Galiléia sabia que, o que lhe esperava, era uma morte violenta. Os profetas já a anunciaram (Daniel 9.26 / Isaías cap. 53 como um todo e principalmente verso 8). Se Sua missão era verdadeira, confirmada por Deus e não um mero engano, o propósito eterno de Deus se concretizaria apesar dessa morte, ou melhor, através de Sua morte. Essa também seria a interpretação que o apóstolo e teólogo Paulo nas suas epístolas daria mais tarde.

O Evangelista Mateus acrescentou ao gesto de Jesus, em passar o cálice para todos, o imperativo: “Bebam todos dele” (Mat. 26.27b). Na comunhão da “ceia” anunciamos a Nova Ordem e sua plenitude na consumação dos tempos. Hoje já estamos fazendo parte da realidade apocalíptica.

Pouco mais tarde, nas comunidades não-judaicas, gregas, o apóstolo Paulo e com ele Lucas, acrescentam as palavras “façam isso em memória de mim” para melhor compreensão dos cristãos sem conhecimento da tradição judaica (Lucas 22.19).

No “cálice da bênção” a ênfase está na “Nova aliança” graças ao “sangue” (como sinônimo de morte violenta) e não no “sangue” em si. O cálice anuncia a Nova Aliança de Deus, graças ao sangue derramado de Jesus. Ele anuncia uma Nova ordem, onde a obra de Deus é fundamental e não mais a obediência aos mandamentos, sempre falhos. A Nova ordem estabelece o perdão dado, a reconciliação feita. Qualquer um que chegar à presença de Deus, tomando posse daquilo que Jesus lhe concedeu, será aceito e será salvo.

A Igreja, no decorrer dos séculos, tem infelizmente recorrido à superstição na distribuição dos assim chamados “elementos da ceia” ou da missa. Tem incorporado o conceito pagão de “carne” e “sangue”, algo totalmente estranho ao pensamento judeu e bíblico. Decorrendo dessa aculturação dos conceitos bíblicos nasceram as mais cruéis brigas, heresias e superstições quanto à “carne” e “sangue” distribuídos na eucaristia.

(25) Eu lhes afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”. “Amém”, disse Jesus (o que é traduzido com “eu lhes afirmo”) “esta será a última vez que cearei com vocês”. O termo “fruto da videira” não deve ser tomado literalmente. Ele compreende a ceia como um todo. Usar este termo para querer provar que Jesus tomou suco e não vinho, como alguns querem, beira ao ridículo e denuncia ignorância.

“Não mais” ou “não outra vez” como na tradução na NVI, é no grego (literalmente “me”) a forma mais determinada de negar uma ação futura. Com a ceia que acabaria de celebrar, depois daquelas palavras, Jesus encerrou uma prática; era a última ceia conforme o rito antigo. Se Ele, de um lado, tinha plena convicção daquilo que Ele enfrentaria da parte do clero (portanto não mais cearia mais com os seus aqui), Ele expressou profunda certeza quanto ao Reino de Deus e sua concretização através da morte dEle. Aquilo que nessa “última ceia” tinha seu término, encontrará sua plenitude e concretização nas “bodas do cordeiro”, como João, o visionário, definiu (Apoc 19.7) e cearemos novamente com Ele (Apoc. 3. 20). O “partir do pão” assim se transforma em uma gloriosa visão daquilo que está reservado aos que a Ele pertencem.

(26) Depois de terem cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras. A comemoração festiva teve seu fim com o canto do tradicional salmo. Como Marcos escreveu para “não-judeus” que não conheciam os salmos, ele colocou “um hino” no lugar de “salmo”. Cansado e pensativo, o grupo com os onze e seu Mestre saiu para o escuro da noite.

QUE DEUS OS ABENÇOE!