terça-feira, dezembro 05, 2006

JESUS ENTRE OS AMEDRONTADOS


Já estamos vivendo, neste último mês do ano, no clima do Natal quando celebramos o grande evento da encarnação, assim resumido por João, o evangelista: "A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade"(João 1.14 - NTLH).

O Filho de Deus, Verbo feito carne, mesmo depois da sua morte não nos deixou órfãos, mas veio, com o Pai, habitar no coração de cada um de nós através do Espírito Santo. Dessa forma ele cumpre a promessa de estar conosco todos os dias até o fim dos tempos. Isto significa que ele está entre nós em qualquer situação.
No domingo da ressurreição, à tarde, os discípulos estavam reunidos de portas trancadas, com medo dos líderes judeus, quando Jesus colocou-se entre eles e disse: "que a paz esteja com vocês" (João 20.19 - NTLH). Esses discípulos estavam perplexos diante de tudo o que havia acontecido. Eles esperavam que Jesus fosse o Messias que devia restaurar o reino de Israel, mas o Mestre havia sido preso, torturado, morto e sepultado. Apesar das predições, tinham dificuldade para acreditar na ressurreição. Daí a razão da perplexidade, do desânimo, do desencanto, do medo.
O texto de João 20.19-22 mostra como a consciência da presença de Jesus entre eles trouxe paz (20.19), alegria (20.20), propósito através da missão (20.21) e dinâmica (20.22). Fortalecidos pela presença, palavras e ações de Jesus, eles permaneceram em Jerusalém até que foram revestidos com o poder do alto (Lucas 24.49, Atos 1.4-5, 2.1-4).
A partir do Pentecoste, todos os que crêem são batizados, em um só Espírito, no corpo de Cristo, e passam a desfrutar a presença de Jesus não só em seus corações, mas na comunhão dos santos. Jesus está em cada um de nós e entre nós. A consciência da presença permanente de Jesus destrói todo o medo e nos traz paz, alegria, vida com propósito e poder para uma vida abundante e vitoriosa.

UMA ANALISE DAS CARACTERISTICAS DA VERDADEIRA IGREJA

Onde pode ser encontrada hoje a igreja verdadeira e quais os seus aspectos essenciais? Em primeiro lugar devemos distinguir os vários significados da palavra igreja:Todo o povo de Deus em todos os séculos, o conjunto total dos eleitos. Os Reformadores falaram disto como sendo a igreja invisível.A comunidade local dos cristãos, reunidos visivelmente para adoração e ministério; este significado abrange a vasta maioria das referências à igreja (ekklesia) do Novo Testamento.Todo o povo de Deus no mundo, em determinada época, talvez melhor definida como a igreja universal. Esse sentido ocorre apenas ocasionalmente no Novo Testamento (1 Co 10.32; Gl 1.13).
"A igreja dentro da igreja". Notamos antes a distinção feita entre a edah (toda a congregação visível) e os gahal (aqueles dentro dela que respondem ao chamado de Deus). Jesus ensinou que o reino corresponde a este padrão: o joio está misturado com o trigo (Mt 13.24-30; 36-43). Dentro do grupo identificado com Cristo acha-se o povo de Deus, a verdadeira igreja. Não existe, então, uma igreja pura; em meio a cada igreja pode haver pessoas que não professaram a sua fé e outras cuja profissão será desmascarada no último dia (Mt 7.21-23).
Admitindo-se assim que uma igreja pura ou perfeita não é possível deste lado da glória, onde podemos descobrir o verdadeiro povo de Deus visivelmente reunido? Tradicionalmente, são reconhecidos quatro sinais da igreja autêntica.

UNA
A unidade da igreja procede de seu fundamento do único Deus (Ef 4.1-6). Todos os que pertencem verdadeiramente à igreja são um só povo e, portanto, a igreja verdadeira será distinguida por sua unidade.
Esta unidade, porém, não implica necessariamente uniformidade total. Na igreja do Novo Testamento havia uma variedade de ministérios (1 Co 12.4-6) e de opiniões sobre assuntos de importância secundária (Rm 14:1-15:13). Embora houvesse uniformidade nas convicções teológicas básicas (1 Co 15.11, BLH; Jd 3), a fé comum recebia ênfases diversas, segundo as diferentes necessidades percebidas pelos apóstolos (Rm 3.20; cf. Tg 2.24; Fp 2.5-7; cf. Cl 2.9s).
Havia também uma variedade de formas de adoração. O tipo de culto em Corinto (1 Co 14.26ss) não era comum nas igrejas palestinas, onde a adoração se baseava no modelo da sinagoga judaica e tinha um padrão mais formal, centrado na exposição da palavra escrita. Este modelo tirado da sinagoga justifica o fato de as igrejas do primeiro século serem consideradas um ramo do judaísmo. Tiago 2.2 usa até mesmo a palavra sinagoga para a reunião dos cristãos. Existem também elementos discerníveis de mais de uma forma de governo da igreja.
A verdadeira unidade no Espírito Santo de todo o povo regenerado é um fato independente da desunião denominacional exterior. O chamado para a unidade no Novo Testamento é, portanto, uma ordem para manter a unicidade fundamental da vida que o Espírito concedeu através da regeneração (Ef 4.3). Os Reformadores salientaram este ponto, distinguindo entre a igreja invisível (todos os eleitos que são verdadeiramente um em Cristo) e a igreja visível (um grupo misto de regenerados e não-regenerados). A unidade da igreja invisível é um fato consumado, concedido com a salvação.
Roma tem usado este sinal de maneira polêmica, a fim de proclamar sua unidade, comparando-a à fragmentação do protestantismo, como uma evidência de ser a verdadeira igreja. Isto, no entanto, ignora três pontos: (i) A própria Roma separou-se da igreja ortodoxa em 1054, e jamais tinha sido considerada universalmente como a única igreja verdadeira em séculos anteriores; por exemplo, a igreja celta floresceu na Inglaterra, e Patrício fundou a igreja inglesa muito antes de os missionários romanos terem chegado a Inglaterra. (ii) Os sinais devem manter-se juntos. A sucessão histórica e a unidade exterior não têm validade quando não associadas à lealdade e ao evangelho apostólico. (iii) Embora o protestantismo tenha-se mostrado às vezes necessariamente desagregador, pode ser argumentado que, através de seu desvio da doutrina bíblica, é a própria Roma que tem sido a maior causa de cismas no correr dos séculos.
As Escrituras encorajam a mais plena expressão de unidade possível entre o povo de Deus, mas elas também tornam claro que a divisão acha-se perfeitamente de acordo com a vontade divina quando a essência do Cristianismo Apostólico estiver em risco. Esta foi a razão da discórdia entre Paulo e os judaizantes (Gl 1.6-12), e entre Jesus e os fariseus (Mc 7.1-13). É significativo notar que quando Judas pretendeu escrever sobre a salvação que temos em comum, ele achou necessário insistir com os leitores para "batalhar diligentemente pela fé que uma vez foi entregue aos santos" (Judas 3). Para o Novo Testamento, a unidade está baseada em um compromisso consciente com as verdades reveladas do Cristianismo Apostólico.
O Novo Testamento dirigiu seus ensinos sobre a unidade a grupos específicos, com implicações imediatas para seus relacionamentos visíveis (Ef 2.15; 4.4; Cl 3.15). Jesus orou pela unidade, que ajudaria o mundo a crer (João 17.21); embora o paralelo entre esta unidade e a dEle com o Pai (17.11,22) confirme o caráter essencialmente espiritual da unidade bíblica, esta certamente inclui identificação visível de vida e propósito, pois Jesus em toda a sua missão expressou uma união visível e demonstrável com o Pai. Em outras palavras, é preciso buscar uma unidade visível mais plena do que aquela que está sendo experimentada pelos que são fiéis ao evangelho apostólico.
Este fato tem especial importância quando dois ou mais grupos que têm uma fé bíblica estiverem operando na mesma área, como, por exemplo, em um campus universitário. O desafio mais profundo deste ensinamento, porém, situa-se ao nível dos relacionamentos na igreja local. Nesse ambiente, a unidade da vida em Cristo deve expressar-se através do cuidado e compromisso genuínos e tangíveis de uns para com os outros. Na ausência disto, a reivindicação de ser uma verdadeira igreja cristã é posta em dúvida (1 Co 3.3s).

SANTA
O povo de Deus forma a nação santa (1 Pe 2.9). No sentido mais profundo a igreja é santa, da mesma forma que todo indivíduo cristão é santo em virtude de estar unido a Cristo, separado para ele e revestido com sua justiça perfeita. Na sua posição diante de Deus em Cristo, a igreja é irrepreensível e isenta de qualquer mancha moral. A distinção entre a igreja visível e a invisível aplica-se aqui, desde que esta santidade imputada não pertence aos membros da igreja não confiam pessoalmente em Cristo como Salvador.
A união com Cristo envolve também uma santidade de vida que seja visível. Desse modo, a relação da igreja com Cristo, o seu cabeça, será expressa no caráter moral e nas características especiais de sua vida e de seus relacionamentos comunitários. A igreja alheia à santidade é alheia a Cristo. Quando Cristo dirigiu-se à sua igreja, ele esperava dela essa mesma diferença moral e foi severo em seu julgamento quando observou que ela lhes faltava (Ap 2.-3).
A fim de não desanimarmos ao aplicar este teste, vale a pena lembrar que grande parte da vida da igreja do Novo Testamento foi eivada de erros, divisões, falhas morais e instabilidade. Não obstante, a presença de um sinal visível de santidade é uma característica invariável da igreja de Deus.

CATÓLICA
O termo católico significa literalmente abrangendo ao todo. E em seu uso primitivo, significava ser a igreja universal, distinguindo-a da local; mais tarde, veio significar a igreja que professava a fé ortodoxa, em contraste com os hereges. Com o passar do tempo, Roma adotou o termo para referir-se a si mesma como instituição eclesiástica, centrada no papado, historicamente desenvolvida e geograficamente difundida. Os reformadores do século dezesseis procuraram restaurar o significado anterior da catolicidade, em termos do reconhecimento da fé ortodoxa; nesse sentido, argumentavam eles, a igreja católica era de fato eles e não Roma.
O principal aspecto da catolicidade da igreja primitiva estava na sua abertura para todos. Distinta do judaísmo, com seu exclusivismo racial, e do gnosticismo, com seu exclusivismo cultural e intelectual, a igreja abriu seus braços a todos que quisessem ouvir a mensagem e aceitar seu salvador, sem levar em conta cor, raça, posição social, capacidade intelectual e antecedentes morais. Ela surgiu no mundo como uma fé para todos (Mt 28.19; Ap 7.9). A única exigência para admissão era a fé pessoal em Jesus Cristo como Salvador e Senhor, com o batismo como o rito autorizado de entrada, porque manifestava o evangelho da graça (Mt 28.19; At 2.38,41).
É neste nível fundamental que esta característica (a de ser católica) deve ser entendida. As igrejas que exigem outros testes devem ser consideradas como suspeitas. Não existe lugar numa verdadeira igreja para a discriminação de qualquer tipo, seja racial, de cor, social, intelectual ou moral, neste último caso desde que haja evidência de verdadeira arrependimento. A discriminação denominacional também precisa ser examinada com cuidado nos casos em que as doutrinas fundamentais bíblicas sejam claramente reconhecidas.

APOSTÓLICA
O apóstolo é uma testemunha do ministério e da ressurreição de Jesus; é um arauto autorizado do evangelho (Lc 6.12s; At 1.21s; 1 Co 15.8-10). Os arautos tomam posição entre Jesus e todas as gerações subseqüentes da fé cristã; nós só nos achegamos a ele por meio dos apóstolos e de seu testemunho sobre ele, incorporado no Novo Testamento. Neste sentido fundamental, toda a igreja é "edificada sobre o fundamento dos apóstolos" (Ef 2.20; cf. Mt 16.18; Ap 21.14). A apostolicidade da igreja encontra-se, portanto, no fato de ela conformar-se à fé apostólica "que uma vez por todas foi entregue ao santos" (Jd 3; cf. At 2.42). Os apóstolos ainda governam e organizam a igreja na medida em que esta permite que sua vida, seu entendimento e sua pregação sejam constantemente reformados pelos ensinos das Sagradas Escrituras.
Desde que o apóstolo significa literalmente enviado, não é de surpreender que o Novo Testamento refira-se ocasionalmente a outros apóstolos (Rm 16.7). Neste sentido geral, todos os que são hoje enviados pelo Senhor como evangelistas, pregadores, iniciadores de igrejas, etc. são no grego do Novo Testamento, apostoloi, enviados. Isto não subentende de forma alguma que eles tenham uma posição de autoridade especial, competindo com a do grupo original cujo governo continua através das escrituras apostólicas. Reivindicar o cargo apostólico em nossos dias é compreender erradamente o ensino bíblico e oferece na prática um desafio grave com respeito à autoridade e finalidade da revelação divina do Novo Testamento.
É igualmente errado entender a apostolicidade como uma continuidade histórica do ministério, retrocedendo até Cristo e seus apóstolos através de uma sucessão de bispos. Esta interpretação não tem nenhum apoio bíblico. Toda noção da graça de Deus comunicada mediante uma sucessão histórica de dignatários da igreja contraria o caráter da própria graça, conforme os escritos bíblicos. Além disso, como garantia da verdade da mensagem apostólica, a sucessão episcopal evidentemente falhou. Foi uma igreja perfeitamente enquadrada nesta sucessão histórica que precisou da Reforma do século dezesseis, para não mencionar outras reformas menores, como o despertamento do século dezoito com Whitefield e os Wesleys.
O catolicismo romano estende esta interpretação de "apostólico" para incluir a reivindicação de que o Bispo de Roma é o sucessor histórico de Pedro e o guardião especial da graça de Deus na igreja. A alegação é insustentável. A primazia de Pedro entre os apóstolos não passou de uma clara liderança no período da primeira missão cristã. Ele claramente recuou para um segundo plano à medida que a igreja avançou fora de Jerusalém, sendo Paulo nomeado para liderar a missão fora da Palestina e quando João lutava para corrigir as igrejas prejudicadas pelos falsos mestres. É bem significante que Pedro não apareceu no papel principal no Concílio de Jerusalém (At 15), e que ficou claramente à sombra de Paulo no incidente registrado em Gálatas 2.
Roma alega ainda que esta suposta supremacia de Pedro deveria continuar para a salvação eterna e bem contínuo da igreja. Nenhum dos versículos citados como apoio escriturístico (Mt 16.18s; Jo 21.15-17 e Lc 22.32) faz qualquer referência a um sucessor de Pedro. Essas duas reivindicações romanas contrariam a evidência manifesta no Novo Testamento, e a terceira, de que a primazia de Pedro se estende ao bispo de Roma, é ainda menos digna de crédito. O fato de Pedro ter terminado sua vida como mártir em Roma é uma tradição primitiva que encontra apoio razoável; as dificuldades histórica, porém, para mostrar que houve uma sucessão estabelecida de bispos monárquicos de Roma, a partir do primeiro século, são intransponíveis.
A sucessão apostólica é na verdade a sucessão do evangelho apostólico, quando o depósito original de verdade apostólica é passado de uma para outra geração: "homens fiéis ... para instruir a outros" (2 Tm 2.2). A igreja é apostólica à medida que reconhece na prática a autoridade suprema das escrituras apostólicas.

OS SINAIS DOS REFORMADORES
Embora os Reformadores não pusessem de lado esses quatro sinais tradicionais, as controvérsias em que se viram envolvidos prenderam sua atenção em outras coisas. Eles identificaram duas características da igreja verdadeira e visível. "Onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida em toda a sua pureza e os sacramentos ministrados segundo a instituição de Cristo, não há dúvida de que existe uma igreja de Deus" (João Calvino).
"A Palavra pregada em toda a sua pureza" trouxe à tona a supremacia do evangelho bíblico e forma precisamente nesse ponto que surgira a verdadeira ruptura com Roma. Atrás desta ênfase havia uma convicção quanto ao elo indissolúvel entre a Palavra escrita e o Espírito; pertencer à comunidade do Espírito iria necessariamente refletir a submissão à Palavra que o Espírito havia inspirado. Os Reformadores desconheciam qualquer Espírito que não levasse à Palavra; desconheciam qualquer amor por Deus que não estivesse ligado à fé e à verdade. O outro ponto em que discerniram a verdadeira igreja, os sacramentos, era também polêmico, já que foi no aspecto do ensino e da prática com relação aos sacramentos que os Reformadores viram a mais clara violação da religião bíblica por parte de Roma.
A existência de grupos cristãos (p. ex. o Exército da Salvação e a Sociedade dos Amigos) que não possuem sacramentos faz-nos hesitar quanto à afirmação de que os sacramentos são essenciais para que a igreja seja verdadeira. Não obstante, nosso Senhor claramente considerou o batismo como intimamente ligado à mensagem da igreja e à resposta humana a ela (Mt 28.19s), e a participação na Ceia como fundamental para a vida da igreja (Lc 22.19; 1 Co 11.24s).
Podemos generalizar esses sinais afirmando que o sinal supremo para os Reformadores era o próprio Cristo. Ele é o centro da Palavra e o cerne dos sacramentos.

A MISSÃO – UM SINAL AUSENTE?
Nas instruções de Jesus sobre a vida da igreja (Jo 13-16; Lc 10.1-20; At 1.1-8), encontramos um elemento não abordado nas características da igreja identificadas até agora, que é a missão: a responsabilidade de levar as boas novas de Jesus aos confins da Terra.
Existe certamente grande significado no fato de a história da igreja do Novo Testamento, o livro de Atos, Ter como seu tema principal a expansão sucessiva na pregação do evangelho: Jerusalém, Judéia, Samaria, e, em seguida, o mundo gentio (1.8; cf. 6.8s; 7; 8; 10.34-38; 11.19-26; 13.1ss). A igreja é missão talvez seja uma frase exagerada, mas em seu serviço total ao propósito e à glória de Deus, a missão é um ingrediente bíblico fundamental.
Assim sendo, uma igreja que não prega o evangelho não sente a responsabilidade pelo bem-estar moral e espiritual dos que a rodeiam, nem expressa interesse pelos pobres e necessitados onde quer que eles sejam encontrados, perdeu seu direito à autenticidade, constituindo-se numa negativa viva de seu Senhor.
Para resumir: a verdadeira igreja será reconhecida pela sua unidade nos relacionamentos, pela sua santidade de vida, pela sua abertura a todos, pela sua submissão à autoridade das escrituras, pela sua pregação de Cristo em palavras e sacramentos, e pelo seu compromisso com a missão.

4º ESTUDO DO EVANGELHO DE MARCOS

O Evangelho de Marcos – cap.14. 43 NVI)

(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze.

Os relatos a partir desse momento são fragmentados. Enquanto a prisão de Jesus aconteceu rapidamente e no meio de uma confusão geral, os acontecimentos posteriores, como interrogatórios e julgamento, carecem de testemunhas de dentro do círculo dos discípulos. Fatos isolados, relatados ou lembrados por pessoas, que mais tarde se tornaram cristãs, montaram a história como a temos nos quatro evangelhos. Por essa razão há notáveis diferenças nos quatro relatos quanto ao que realmente aconteceu naquela noite. O evangelho de Marcos, como o mais antigo e o de João nos parecem ser os mais exatos. No relato de Marcos (Pedro) há lacunas, momentos dos quais o evangelista não dispunha de informações. O evangelho de João muitas vezes nos ajuda a preenchê-las. É nos relatos da paixão que os vestígios da tradição da Igreja aparecem mais nitidamente. Percebemos evoluções na compreensão daquilo que transformou o mundo, abrindo o Reino de Deus a nós, que estávamos longe dele. Nós, os gentios.

(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze. O exemplo mais dramático de como a tradição consegue influenciar a crença é a pessoa de Judas. Depois da prisão de Jesus, ele não mais aparece no evangelho de Marcos, desaparecendo assim na escuridão da história. De lá para cá, sua imagem foi-se mudando ano a ano para pior. No evangelho de Mateus, posterior ao de Marcos, ele já apareceu com o título de “ávido por dinheiro que finalmente se enforcou” (26.14 e 27.3-10). Em Lucas é apresentado como “traidor possesso pelo diabo” (6.16 e 22.3) e em Atos “sofre uma morte horrível e acaba no inferno” (1.16-20/25). No Evangelho de João, escrito mais tarde ainda, é chamado de “diabo e ladrão”, que traiu o mestre por dinheiro (6.70 e 12.6). Pelos anos 120/130, Papias, um dos pais da Igreja, apresentou nos seus escritos Judas como exemplo supremo do “homem da perdição”, cujo cadáver, quando esticado no chão, cheirava tão mal que ninguém podia passar por perto sem tampar o nariz”. Como se tornou possível que esse discípulo, que andou durante três anos com seu Senhor, acabou sendo amaldiçoado e lembrado dessa forma?
Os primeiros cristãos, historicamente tão perto do martírio de Jesus, não conseguiam aceitar o fato da traição por alguém em que o Mestre confiava. A traição despertava nos primeiros cristãos as emoções e os sentimentos que hoje vemos espelhados nos escritos, quando se referem a Judas. Não somos melhores do que eles, que, pelo menos ficaram profundamente revoltados. A traição de Jesus simplesmente não nos comove como antigamente o fez. O que é pior?

Até hoje, a pessoa de Judas continua envolta em mistério. O movimento gnóstico dos primeiros séculos procurava justificá-lo, criando uma realidade espiritual atrás daquela que Jesus anunciava. A essa Judas teria servido. O “Evangelho de Judas”, recém-descoberto, sem valor histórico, é um exemplo dessa interpretação fantasiosa. Na procura do verdadeiro Judas e da motivação para seu ato tampouco ajudam a carimbá-lo simplesmente como ladrão, que por dinheiro vendeu seu mestre. Tão simples não é! Havemos de procurar mais a fundo.

Primeiro devemos entender em que consistia a tal “traição”. Parece que Judas se dispôs a informar as autoridades religiosas a respeito de hora e lugar onde podiam prender Jesus sem que houvesse tumulto, e “sem que a multidão estivesse presente” (Luc.22.6). A cidade estava repleta de peregrinos e qualquer ação mal-sucedida, como confusão ou engano quanto à pessoa aprisionada, podia desencadear desordem e perigo para o clero, pois os militares romanos estavam de prontidão por causa da festa.
Na pergunta a respeito do “por que” mergulhamos mais fundo. Judas certamente não era um “espião” infiltrado no grupo dos Doze, como já fora sugerido. Tudo indica que ele se juntou aos muitos seguidores (de entre os quais mais tarde foi convidado para fazer parte dos Doze) vindo da remota vila de Kerijot-Hezron ao sul de Hebron. Todos os demais discípulos eram galileus, vindo da região onde Jesus iniciou seu ministério. Judas como único “não-galileu” veio de longe, o que prova que seu anseio pela nova mensagem era verdadeiro. Parece que foi exatamente esse anseio pela concretização do Reino de Deus que o levou à ruína.

A partir das declarações de Jesus quanto ao sofrimento que O aguardava, Judas viveu uma profunda e crescente decepção para com o seu Mestre. Talvez ainda tivesse chegado à Jerusalém na expectativa da imediata e poderosa revelação desse Reino, mas para seu desencanto teve que constatar que, a partir da purificação do Templo, tudo apontava para catástrofe e fim. A alguma altura, quem sabe já enquanto na Galiléia, talvez somente em Jerusalém, Judas entrou em contato com as autoridades religiosas. Por João (11.45-57) sabemos que essas, quando ouviram os relatos da ressurreição de um morto por Jesus (Lázaro) e que chegaram a causar espanto em Jerusalém, editaram um decreto que obrigava cada judeu fiel a denunciar o paradeiro de Jesus. Da mesma forma os decretos papais durante o longo período da Inquisição obrigavam os fiéis a denunciarem hereges, mesmo se da própria família. Assim Judas se via entre sua crescente decepção como o “projeto do Reino” e sua obrigação como fiel judeu perante as autoridades religiosas. No seu íntimo havia optado por, na hora oportuna, entregar seu Mestre.
A gota d’água foi o incidente na casa de Maria em Betânia (veja Marcos 14.10,11). Ali Jesus havia declarado, quando ungido por uma mulher, considerar o ato como sua “preparação para o sepultamento”. Sepultamento? Fora essa a visão do seu mestre? Daí em diante, para Judas era somente uma questão de tempo e oportunidade de pular do barco e pôr fim a esse “movimento fracassado”.

Caso seja essa a interpretação correta, como a maioria dos comentaristas aposta, a história de Judas é uma tragédia. Tragédia de um homem cujo projeto de vida ruiu. Enquanto os demais discípulos, embora desorientados, continuavam fiéis a seu Mestre, Judas era radical. Alguns levantam a hipótese de que Judas, com sua ação, queria forçar Jesus a mostrar poder, quase obrigá-lo a revelar quem era, trazendo o Reino “agora e já”.

Mateus sabe de um posterior remorso de Judas, quando ele percebeu seu erro, o que só aumentou a sua tragédia (Mateus 27.1-10).

Seja como for, quem somos nós para julgar a esse homem e mandá-lo para o inferno? A nossa história brasileira conhece muitos que se escandalizaram com Cristo, pois não O entenderam. Hoje, grandes personalidades, jornalistas de rádio e TV contam prazerosamente como “um dia estavam perto do Evangelho”, mas, devido “ao que viram e viveram”, chegaram a escandalizar-se com Cristo e hoje O desprezam e disso ainda se gabam, bem ao contrário de Judas.

Você que lê, se você está seguindo a Jesus, peça que Ele o(a) mantenha fiel. Você sozinho corre perigo de vida, se continuar julgando somente pelo que você consegue ver e sentir: bênçãos, revelações, provas. Dê liberdade a Jesus para usar tudo quanto lhe ocorrer para seu bem eterno!

QUE DEUS OS ABENÇOE !