terça-feira, dezembro 05, 2006

4º ESTUDO DO EVANGELHO DE MARCOS

O Evangelho de Marcos – cap.14. 43 NVI)

(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze.

Os relatos a partir desse momento são fragmentados. Enquanto a prisão de Jesus aconteceu rapidamente e no meio de uma confusão geral, os acontecimentos posteriores, como interrogatórios e julgamento, carecem de testemunhas de dentro do círculo dos discípulos. Fatos isolados, relatados ou lembrados por pessoas, que mais tarde se tornaram cristãs, montaram a história como a temos nos quatro evangelhos. Por essa razão há notáveis diferenças nos quatro relatos quanto ao que realmente aconteceu naquela noite. O evangelho de Marcos, como o mais antigo e o de João nos parecem ser os mais exatos. No relato de Marcos (Pedro) há lacunas, momentos dos quais o evangelista não dispunha de informações. O evangelho de João muitas vezes nos ajuda a preenchê-las. É nos relatos da paixão que os vestígios da tradição da Igreja aparecem mais nitidamente. Percebemos evoluções na compreensão daquilo que transformou o mundo, abrindo o Reino de Deus a nós, que estávamos longe dele. Nós, os gentios.

(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze. O exemplo mais dramático de como a tradição consegue influenciar a crença é a pessoa de Judas. Depois da prisão de Jesus, ele não mais aparece no evangelho de Marcos, desaparecendo assim na escuridão da história. De lá para cá, sua imagem foi-se mudando ano a ano para pior. No evangelho de Mateus, posterior ao de Marcos, ele já apareceu com o título de “ávido por dinheiro que finalmente se enforcou” (26.14 e 27.3-10). Em Lucas é apresentado como “traidor possesso pelo diabo” (6.16 e 22.3) e em Atos “sofre uma morte horrível e acaba no inferno” (1.16-20/25). No Evangelho de João, escrito mais tarde ainda, é chamado de “diabo e ladrão”, que traiu o mestre por dinheiro (6.70 e 12.6). Pelos anos 120/130, Papias, um dos pais da Igreja, apresentou nos seus escritos Judas como exemplo supremo do “homem da perdição”, cujo cadáver, quando esticado no chão, cheirava tão mal que ninguém podia passar por perto sem tampar o nariz”. Como se tornou possível que esse discípulo, que andou durante três anos com seu Senhor, acabou sendo amaldiçoado e lembrado dessa forma?
Os primeiros cristãos, historicamente tão perto do martírio de Jesus, não conseguiam aceitar o fato da traição por alguém em que o Mestre confiava. A traição despertava nos primeiros cristãos as emoções e os sentimentos que hoje vemos espelhados nos escritos, quando se referem a Judas. Não somos melhores do que eles, que, pelo menos ficaram profundamente revoltados. A traição de Jesus simplesmente não nos comove como antigamente o fez. O que é pior?

Até hoje, a pessoa de Judas continua envolta em mistério. O movimento gnóstico dos primeiros séculos procurava justificá-lo, criando uma realidade espiritual atrás daquela que Jesus anunciava. A essa Judas teria servido. O “Evangelho de Judas”, recém-descoberto, sem valor histórico, é um exemplo dessa interpretação fantasiosa. Na procura do verdadeiro Judas e da motivação para seu ato tampouco ajudam a carimbá-lo simplesmente como ladrão, que por dinheiro vendeu seu mestre. Tão simples não é! Havemos de procurar mais a fundo.

Primeiro devemos entender em que consistia a tal “traição”. Parece que Judas se dispôs a informar as autoridades religiosas a respeito de hora e lugar onde podiam prender Jesus sem que houvesse tumulto, e “sem que a multidão estivesse presente” (Luc.22.6). A cidade estava repleta de peregrinos e qualquer ação mal-sucedida, como confusão ou engano quanto à pessoa aprisionada, podia desencadear desordem e perigo para o clero, pois os militares romanos estavam de prontidão por causa da festa.
Na pergunta a respeito do “por que” mergulhamos mais fundo. Judas certamente não era um “espião” infiltrado no grupo dos Doze, como já fora sugerido. Tudo indica que ele se juntou aos muitos seguidores (de entre os quais mais tarde foi convidado para fazer parte dos Doze) vindo da remota vila de Kerijot-Hezron ao sul de Hebron. Todos os demais discípulos eram galileus, vindo da região onde Jesus iniciou seu ministério. Judas como único “não-galileu” veio de longe, o que prova que seu anseio pela nova mensagem era verdadeiro. Parece que foi exatamente esse anseio pela concretização do Reino de Deus que o levou à ruína.

A partir das declarações de Jesus quanto ao sofrimento que O aguardava, Judas viveu uma profunda e crescente decepção para com o seu Mestre. Talvez ainda tivesse chegado à Jerusalém na expectativa da imediata e poderosa revelação desse Reino, mas para seu desencanto teve que constatar que, a partir da purificação do Templo, tudo apontava para catástrofe e fim. A alguma altura, quem sabe já enquanto na Galiléia, talvez somente em Jerusalém, Judas entrou em contato com as autoridades religiosas. Por João (11.45-57) sabemos que essas, quando ouviram os relatos da ressurreição de um morto por Jesus (Lázaro) e que chegaram a causar espanto em Jerusalém, editaram um decreto que obrigava cada judeu fiel a denunciar o paradeiro de Jesus. Da mesma forma os decretos papais durante o longo período da Inquisição obrigavam os fiéis a denunciarem hereges, mesmo se da própria família. Assim Judas se via entre sua crescente decepção como o “projeto do Reino” e sua obrigação como fiel judeu perante as autoridades religiosas. No seu íntimo havia optado por, na hora oportuna, entregar seu Mestre.
A gota d’água foi o incidente na casa de Maria em Betânia (veja Marcos 14.10,11). Ali Jesus havia declarado, quando ungido por uma mulher, considerar o ato como sua “preparação para o sepultamento”. Sepultamento? Fora essa a visão do seu mestre? Daí em diante, para Judas era somente uma questão de tempo e oportunidade de pular do barco e pôr fim a esse “movimento fracassado”.

Caso seja essa a interpretação correta, como a maioria dos comentaristas aposta, a história de Judas é uma tragédia. Tragédia de um homem cujo projeto de vida ruiu. Enquanto os demais discípulos, embora desorientados, continuavam fiéis a seu Mestre, Judas era radical. Alguns levantam a hipótese de que Judas, com sua ação, queria forçar Jesus a mostrar poder, quase obrigá-lo a revelar quem era, trazendo o Reino “agora e já”.

Mateus sabe de um posterior remorso de Judas, quando ele percebeu seu erro, o que só aumentou a sua tragédia (Mateus 27.1-10).

Seja como for, quem somos nós para julgar a esse homem e mandá-lo para o inferno? A nossa história brasileira conhece muitos que se escandalizaram com Cristo, pois não O entenderam. Hoje, grandes personalidades, jornalistas de rádio e TV contam prazerosamente como “um dia estavam perto do Evangelho”, mas, devido “ao que viram e viveram”, chegaram a escandalizar-se com Cristo e hoje O desprezam e disso ainda se gabam, bem ao contrário de Judas.

Você que lê, se você está seguindo a Jesus, peça que Ele o(a) mantenha fiel. Você sozinho corre perigo de vida, se continuar julgando somente pelo que você consegue ver e sentir: bênçãos, revelações, provas. Dê liberdade a Jesus para usar tudo quanto lhe ocorrer para seu bem eterno!

QUE DEUS OS ABENÇOE !

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